segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Morre a artista plástica e militante comunista Edíria Carneiro

ediria
É com pesar que a União Brasileira de Mulheres (UBM) comunica o falecimento da grande artista e guerreira Edíria Carneiro, que, de forma singela, humana, generosa, soube transmitir para as telas a vida das mulheres. A UBM lamenta profundamente esta perda e envia mensagens de condolências à família.

No texto escrito para o Blog, intitulado “Edíria Carneiro: uma artista engajada por um mundo novo”, Renato Rabelo fala sobre a atuação desta artista comunista. Leia abaixo o texto na íntegra:


Neste dia 25 de dezembro, as mãos da talentosa artista plástica Edíria Carneiro -- que por décadas trabalharam e criaram gravuras e pinturas que coloriram de esperança a luta do povo -- estão postas e imóveis sobre seu peito. Com o coração consternado, a direção nacional do PCdoB comunica o falecimento de Edíria. E apresenta seus sentimentos a seus filhos, netos e parentes. Há dias ela se encontrava em tratamento numa unidade de terapia intensiva de um hospital da cidade de São Paulo.

Edíria Carneiro era militante do Partido Comunista do Brasil desde 1945. Desde o início dessa trajetória soube associar sua militância política com a força criativa de sua arte. Foi ilustradora de várias publicações vinculadas ao Partido, como o jornal A Classe Operária e as revistas Momento Feminino e Seiva, além de cartazes e folhetos. Como artista se moveu por uma insaciável sede de desenvolver ao máximo suas potencialidades, vinculando estudo e audácia estética. Estudou na Escola de Belas Artes, em Salvador, seguiu um itinerário de aprendizagem com vários mestres brasileiros. No final dos anos 70, morando no exílio em Paris, trabalhou em ateliês de renomados gravuristas. Ao longo de sua carreira, participou de exposições no Brasil, França, Estados Unidos da América, Taiwan, Espanha, Argentina e Cuba.

Nos últimos anos, impedida pela idade avançada de usar a prensa para imprimir suas gravuras, dedicou-se à pintura. Num ciclo fértil e intenso de trabalho pintou uma série quadros nos quais retratou, com destaque, "as belas e corajosas senhoras do povo": cortadoras de cana, lavradoras sem-terra, mães protegendo a prole da miséria... Em suma, a força e a beleza das mulheres trabalhadoras.

Como militante, além de ajudar com sua arte, dedicou-se com afinco em várias outras tarefas, entre as quais, a de professora nos cursos de capacitação política e teórica do Partido para operários.

Companheira de vida inteira do histórico dirigente do PCdoB, João Amazonas, participou das lutas políticas de largo tempo histórico e de diferentes etapas do percurso da legenda histórica dos comunistas. Como mulher, mãe e militante teve o desafio de criar seus filhos nas duras condições da vida clandestina, enfrentando constantes perseguições, sobretudo depois do golpe militar de 1964.

Às vésperas de 2012 quando completará 90 anos de presença contínua na história brasileira, o Partido Comunista do Brasil, PCdoB, rende suas homenagens à memória de Edíria Carneiro. A legenda comunista se fez histórica e respeitada pelo trabalho de gerações e gerações de brasileiras e brasileiros nas quais se destacam homens e mulheres, da fibra, do talento, da simplicidade e da dedicação de Edíria.

Os seus quadros e gravuras irão continuar tingido de esperança, de audácia e criatividade a luta dos oprimidos e a causa do socialismo, às quais dedicou sua vida toda.

Pablo Neruda teria sido assassinado...

Buscan esclarecer la muerte del poeta Pablo Neruda

Santiago de Chile, 5 dic [2011] (EFE). El Partido Comunista (PC) solicitó hoy a la Justicia chilena que exhume los restos del poeta chileno Pablo Neruda para determinar si el Premio Nobel murió, doce días después del golpe de Augusto Pinochet, a causa del cáncer que padecía o debido a una inyección letal.

Según confirmaron a Efe fuentes de esa formación, el letrado Eduardo Contreras presentó hoy esta solicitud ante el juez Mario Carroza, que dirige la investigación abierta en mayo a raíz de una querella presentada por el PC, al que Neruda pertenecía.

El juez debe decidir ahora si acepta o no la petición de los querellantes en la causa.

"No hay otra manera de resolver esta terrible duda que surge de hechos tan extraños como las contradicciones de lo que informó la prensa el día de su fallecimiento y el certificado de defunción, que evidentemente es falso", dijo el abogado a los periodistas.

El relato oficial de los hechos, aceptado por la familia de Neruda, indica que el autor de "Veinte poemas de amor y una canción desesperada" falleció en la clínica santiaguina Santa María el 23 de septiembre de 1973 debido al avanzado cáncer de próstata que sufría.

Pero las dudas surgieron cuando el antiguo chófer del poeta, Manuel Araya, declaró el pasado mayo en una entrevista que el poeta, partidario del gobierno de Salvador Allende, murió asesinado debido a una inyección que le aplicó un médico.

Mientras estuvo en la clínica, el poeta preparaba su salida a México, camino al exilio.

Los restos de Neruda reposan junto a los de su tercera mujer, Matilde Urrutia, fallecida en 1985, en el jardín de la casa que poseía en la localidad costera de Isla Negra, convertida en un auténtico museo abierto hoy en día a las visitas.

Esta investigación coincide con el desarrollo de otras indagatorias judiciales para esclarecer las muertes de dos expresidentes chilenos, Salvador Allende y Eduardo Frei Montalva, y de un exministro, José Tohá, todos fallecidos durante la dictadura (1973-1990).

El caso de Allende fue investigado por el propio juez Carroza, quien en julio confirmó, tras conocer un informe científico y realizar varias pericias, que el mandatario se suicidó el 11 de septiembre de 1973 durante el bombardeo a La Moneda, tal como señalaba la versión más difundida sobre ese episodio.

Extraído de Ultima Hora

Para mais: El Clarín - Neruda fue asesinado
Clarín - Piden la exhumación de los restos de Pablo Neruda

Pablo Neruda - sítio/site - Universidade do Chile
Fundação Pablo Neruda

Bispo em MS proíbe participação de integrantes do candomblé em missa

Bispo em MS proíbe participação de integrantes do candomblé em missa por divergências doutrinárias

24 dez 2011

Os religiosos das matrizes africanas estão proibidos de participar, em grupo, da Santa Missa na Igreja Matriz de Corumbá, a 444 quilômetros de Campo Grande. A medida, que afeta principalmente os praticantes de candomblé na cidade, é uma decisão do bispo diocesano Dom Martinez Alvarez. A lavagem das escadarias, feita depois da celebração, será mantida, mas feita somente após o fechamento das portas da igreja.

Há sete anos, os integrantes das religiões das matrizes africanas assistem a Santa Missa, vestidos com as roupas tradicionais, sentados nos primeiros bancos da igreja. Após a celebração, eles saíam e lavavam a escadaria da igreja. Agora, esta participação foi vetada.

Dom Martinez Alvarez, o bispo que está há sete anos na diocese da cidade, afirma que não há possibilidade de voltar atrás na decisão. A lavagem das escadas está liberada, porém a igreja não abrirá as portas durante a cerimônia. “Não tivemos reunião com ninguém, decidimos proibir a entradas dos religiosos na Santa Missa”.

O padre da igreja, Flávio Vieira, afirma que a decisão não representa um preconceito. “É uma questão teológica e doutrinária, não se trata de exclusão; pelo contrário cada doutrina deve se fortalecer naquilo que ela é”, afirma o pároco.

Para o presidente da Associação Corumbaense das Religiões de Matrizes Africanas do Pantanal e Região (Acorema) e delegado das religiões de matrizes sul-africanas do Centro Oeste, Clemílson Pereira Medina, a decisão vai contra a unificação das religiões.

“Nosso objetivo não é só lavar as escadarias, e sim, participar da missa e passar uma mensagem de união e paz para todos. Vamos conversar e evitar que essa regressão pela luta do preconceito seja feita”.

Medina conta ainda que participou da Conferência Nacional de Direitos Humanos em Brasília e voltou da reunião com um documento que será entregue ao bispo da igreja. “Nós reunimos 109 assinaturas de delegadas da conferência e irei tentar um diálogo para que o bispo volte atrás na decisão”.

Tradição

O sociólogo Paulo Cabral afirma que a igreja católica iniciou o diálogo entre as religiões no final do século XX e que a tradição da lavagem das escadarias faz parte da cultura brasileira. “Essa postura da igreja católica é uma medida que revela um viés altamente conservador e que nega a dimensão do diálogo entre as religiões”.

Segundo o sociólogo, a tradição de lavar as escadas da igreja católica com água de cheiro começou nos anos 70 na Bahia. “A expressão mais característica dessa interação é a lavagem da escadaria do nosso senhor do Bonfim da Bahia”. A cerimônia é realizada no estado baiano todo dia 13 de janeiro e inspirou a tradição em Corumbá que acontece no dia 30 de dezembro.

Fonte: G1
Extraído de Holofote

sábado, 17 de dezembro de 2011

O fundamentalismo de cada dia

O fundamentalismo de cada dia

Daniel Sottomaior
*
(Publicado na seção Tendências/Debates
da Folha de S. Paulo de 8/12/2011)

É bom saber que os religiosos reconhecem o dano causado pelo fundamentalismo, mas que fique claro: a conta não pode ser debitada ao ateísmo

Segundo Ives Gandra, em recente artigo nesta Folha ("Fundamentalismo ateu", 24/11), existe uma coisa chamada "fundamentalismo ateu", que empreende "guerra ateia contra aqueles que vivenciam a fé cristã". Nada disso é verdade, mas fazer os religiosos se sentirem atacados por ateus é uma estratégia eficaz para advogados da cúria romana. Com o medo, impede-se que indivíduos possam se aproximar das linhas do livre-pensamento.

É bom saber que os religiosos reconhecem o dano causado pelo fundamentalismo, mas resta deixar bem claro que essa conta não pode ser debitada também ao ateísmo.

Os próprios simpatizantes dos fundamentos do cristianismo, que pregam aderência estrita a eles, criaram a palavra "fundamentalista". Com o tempo, ela se tornou palavrão universal. O que ninguém parece ter notado é que, se esses fundamentos fossem tão bons como querem nos fazer crer, então o fundamentalismo deveria ser ótimo!

Reconhecer o fundamentalismo como uma praga é dizer implicitamente que a religião só se torna aceitável quando não é levada lá muito a sério, ideia com que enfaticamente concordam centenas de milhões de "católicos não praticantes" e religiosos que preferem se distanciar de todo tipo de igrejas e dogmas.

Já o ateísmo é somente a ausência de crença em todos os deuses, e não tem qualquer doutrina. Por isso, fundamentalismo ateu é um oximoro: uma ficção ilógica como "círculo quadrado".
Gandra defende uma encíclica papal dizendo que "quem não é católico não deveria se preocupar com ela". No entanto, quando ateus fazem pronunciamentos públicos, preocupa-se tanto que chama isso de "ataque orquestrado aos valores das grandes religiões".

Parece que só é ataque orquestrado se for contra a religião. Contra o ateísmo, "não se preocupem".

Aparentemente, para ele os ateus não têm os mesmos direitos que religiosos na exposição de ideias.

A religião nunca conviveu bem com a crítica mesmo. Já era hora de aprender. Se há ateus que fazem guerra contra cristãos, eu não conheço nenhum. Nossa guerra é contra ideias, não contra pessoas.

Os ateus é que são vistos como intrinsecamente maus e diuturnamente discriminados pelos religiosos, não o contrário. Existem processos movidos pelo Ministério Público e até condenação judicial por causa disso.

O jurista canta loas ao "respeito às crenças e aos valores de todos os segmentos da sociedade", mas aqui também pratica o oposto do que prega: ele está ao lado da maioria que defende com entusiasmo que o Estado seja utilizado como instrumento de sua própria religião.

Para entender como se sente um ateu no Brasil, basta imaginar um país que dá imunidade tributária e dinheiro a rodo a organizações ateias, mas nenhum às religiosas; que obriga oferecimento de estudos de ateísmo em escolas públicas, onde nada se fala de religião.

Um país que assina tratados de colaboração com países cuja única atividade é a promoção do ateísmo; cujos eleitores barram candidatos religiosos; que ostenta proeminentes símbolos da descrença em tribunais e Legislativos (onde se começam sessões com leitura de Nietzsche) e cuja moeda diz "deus não existe".

E depois os fundamentalistas que fazem ataque orquestrado somos nós.

* Daniel Sottomaior é presidente da Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos).

Postado em Atea
Também em LuisNassif

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Desdobramentos do Preconceito Cultural de Ferreira Gullar

Desdobramento texto de Ferreira Gullar  - Preconceito Cultural. “Cruz e Souza e Machado de Assis foram herdeiros de tendências européias: não se pode afirmar que faziam literatura negra…” – Folha de São Paulo (Ilustrada) de 03/12/2011.

por Cuti*

Por conta da publicação, em quatro volumes, da Literatura e Afrodescendência no Brasil: antologia crítica, organizada pelos professores Eduardo de Assis Duarte e Maria Nazareth Fonseca, seja pela apresentação gráfica sofisticada da obra, seja pelo seu aporte crítico envolvendo profissionais de diversas universidades brasileiras e estrangeiras, a questão de ser ou não ser negra a vertente da literatura brasileira que compõe seu conteúdo tem trazido à tona manifestações que vão desde respeitosas e aprofundadas abordagens até esdrúxulos pitacos de quem demonstra sua completa ignorância do assunto, má vontade e racismo crônico. Neste último caso está o que publicou Ferreira Gullar, com o título “Preconceito cultural”, no caderno Folha Ilustrada, do jornal Folha de São Paulo, de 04/12/2011.

O autor do Poema Sujo, no qual compara um urubu a um negro de fraque, deve estar estranhando (estranheza é a palavra que ele emprega) que o negro não é uma simples idéia desprezível, mas um imenso número de pessoas, cuja maior parte, hoje, não come carniça, e que aqueles ainda submetidos à miséria mais miserável jamais quiseram fazer o trabalho daquela ave, e que se a “a vasta maioria dos escravos nem se quer aprendia a ler”, como diz ele, não é porque não queria. Era proibida. Há vários dispositivos legais e normas que comprovam isso. Havia uma vontade contrária. Há e sempre houve um querer coletivo negro de revolta contra a opressão racista.

Quanto a existir ou não literatura negro-brasileira, deixemos de hipocrisia. No mundo da cultura só existe o que uma vontade coletiva, ou mesmo individual, diz que sim e consegue vencer aqueles que dizem não. Foi assim com a própria literatura brasileira e os tantos ismos que por aqui deixaram seus rastros. Características, traços estilísticos, vocabulário etc., que demarcam a possibilidade de se rotular um corpus literário, no tocante à produção literária negra, já vem sendo estudados. Basta lembrar três antologias de ensaios: Poéticas afro-brasileiras, de 2002, com 259 páginas; A mente afro-brasileira (em três idiomas), de 2007, com 577 páginas; Um tigre na floresta dos signos, de 2010, com 748 páginas, além de outras reuniões de textos, estudos, dissertações e teses. Por outro lado, se Cruz e Sousa e Machado de Assis, como argumenta Gullar “foram herdeiros de tendências literárias européias”, e, portanto, “não se pode afirmar que faziam literatura negra”, o que dizer de Lépold Senghor e Aimé Césaire, principais criadores do Movimento da Negritude, embora herdeiros da tradição literária francesa? A literatura não é só resultado de si mesma. Só uma perspectiva genética tacanha desconheceria outras influências do texto literário, tais como a experiência existencial do autor, sua formação política e ideológica, o contexto social, entre tantas mais. Nenhum escritor é obrigado a reproduzir suas influências.

A maneira como o tal poeta cita o samba, a dança, o carnaval, o futebol é aquela que simplesmente aponta o “lugar do negro” que o branco racista determinou, um lugar que serviu de “contribuição” para que os brancos ganhassem dinheiro, não só produzindo sua arte a partir do aprendizado com os negros, mas também explorando compositores diretamente e calando-os na sua autoafirmação étnica. Basta inventariar quantos grandes compositores negros morreram na miséria. A essa realidade o poeta chama de: “nossa civilização mestiça”. Mas, pelo visto, a literatura, sendo a menina dos olhos da cultura, deve ser defendida da invasão dos negros. O escritor e crítico Afrânio Peixoto, lá no passado, deixou a expressão bombástica sobre a literatura ser “o sorriso da sociedade”. Gullar não pensa isso, com certeza, mas em seus pobres argumentos está a ruminar que a literatura não pode ser negra. Talvez sinta que a negrura pode sujá-la, postura bem ainda dentro do diapasão modernista que abordou o negro pelo viés da folclorização.

A esquerda caolha e daltônica brasileira sempre se negou a encarar o racismo existente em nosso país. Por isso andou e anda de braços e abraços com a direita mais reacionária quando se trata de enfrentar o assunto. Para ela, a mesma ilusão dos eugenistas, tipo Monteiro Lobato, se apresenta como verdade: o negro vai (e deve) desaparecer no processo de miscigenação. Para alguns cristinhos ressuscitados dos porões da ditadura militar e seus seguidores sobreviveria e sobreviverá apenas o operariado branco. Concebem isso completamente esquecidos de que a cor da pele e traços fenotípicos estão inseridos do mundo simbólico, o mundo da cultura. No seu inconsciente, o embranquecimento era líquido e certo, solução de um “problema”. Hoje, é provável que os menos estúpidos já tenham se deparado com as estatísticas e ficado perplexos. Gullar, pelos seus argumentos, se coloca como um representante da encarquilhada maneira de encarar o Brasil sem a participação crítica do negro. E, como é de praxe, entre os encastelados no cânone literário brasileiro, incluindo os críticos, não ler e não gostar é a regra. Em se tratando de produção do povo negro, empinam e entortam ainda mais o nariz. Devem se sentir humilhados só de pensar em ler o que um negro brasileiro escreveu e, no fundo, um terrível medo de verem denunciado o seu analfabetismo relativo a um grave problema nacional: o racismo, ou serem levados a cuspir no túmulo de seus avós.

Gullar  diz ser “tolice ou má-fé” se pensar um grande público afrodescendente como respaldo da produção literária negra. Será que ele algum dia teve em seu horizonte de expectativa o leitor negro? Certamente não, como a maioria dos escritores brancos. Isso, sim, é tolice, má-fé e, cá entre nós, uma sutil forma de genocídio cultural, próxima daquela obsessão de se matar personagens negros. E não adianta nesse quesito invocar um parente mulato como, em outros termos, fez o imbecil parlamentar racista Bulsonaro.

Antonio Cândido, em entrevista publicada na revista Ethnos Brasil, em março de 2002, com o título “Racismo: crime ontológico”, fazendo sua autocrítica relativa à sua omissão, por muito tempo, do debate sobre a questão racial, argumenta que o “nó do problema” estaria “no aspecto ontológico”, e prosseguindo: “está no drama, para o negro, de ter de aceitar uma outra identidade, renegando a sua para ser incorporado ao grupo branco.” Façamos um acréscimo ao que disse o consagrado mestre. A questão racial é um problema ontológico no Brasil porque diz respeito também ao ser branco, pois o debate sobre o problema enfrenta a ilusão da superioridade congênita do branco, que o racismo insiste em manter cristalizada na produção intelectual brasileira. Ele, o branco, tem o drama de ser forçado a aceitar uma outra identidade que não aquela de superioridade congênita que o racismo lhe assegurou, de ser obrigado pelo debate a experimentar a perda da empáfia da branquitude, descer do salto alto. Aliás, o sociólogo Guerreiro Ramos nos legou um ensaio elucidativo do assunto, intitulado “A patologia social do branco brasileiro”.

A produção intelectual não é tão somente uma exclusividade de brancos racistas, apesar de certa hegemonia ainda presente. Além de brancos conscientes da história do país, negros escrevem, publicam livros e falam não só de si, mas também dos brancos, dos mestiços e de todos os demais brasileiros. Quem não leu e não gostou dessa produção, em especial a do campo literário, já não está fazendo tanta diferença. A crítica binária, baseada no Bem X Mal, está enfraquecida. Um dos propósitos de seus defensores quando pensam negros escrevendo é o de tirar o entusiasmo dos filhos e dos netos daqueles que por muitos séculos lhes serviram a mesa e lhes limparam o chão e mesmo daqueles que ainda o fazem. A vontade coletiva negra está em expansão e não é só no campo literário. Assim, quando o poeta Ferreira Gullar diz que falar em literatura negra não tem cabimento, é de ser fazer a célebre pergunta: “Não tem cabimento para quem, cara-pálida?” A sua descrença no que chama de “descriminação” na literatura, crendo que ela não “vá muito longe” e gera “confusão” é o simples reflexo da baixa expectativa de êxito que a maioria dos brancos tem em relação aos negros, resultado dos preconceitos inconfessáveis, passados de geração para geração, para minar qualquer ímpeto de autodeterminação da população negra.

Para Aristóteles havia os gregos e o resto (os bárbaros). O branco brasileiro precisa superar este complexo helênico de pensar que no Brasil há os brancos e o resto (mestiços e negros). Tal postura é uma das responsáveis pelo descompasso da classe dirigente em face da real população. Certamente, essa é a razão de Lima Barreto, o maior crítico do bovarismo brasileiro, ainda ser muito pouco ensinado em nossas escolas. O daltonismo de Ferreira Gullar, advindo de um tempo de utopia socialista, hoje é pura cegueira. Traços físicos que caracterizam historicamente os negros não são só traços físicos, como quer o articulista, mas representações simbólicas, por isso perfeitamente suscetíveis de gerar literatura com especificidades. Se o poeta não concebe negros possuidores de consciência crítica no país e as históricas particularidades de sua gente, devia fazer a sua autocrítica e não insistir na cegueira. Não dá mais para negar que a classe C está disputando também assentos no vôo literário, além dos bancos de universidades, nos shoppings e outros espaços sociais. E a população negra também faz parte dela. Quem não quiser enxergar vai continuar vivendo embriagado por esta cachaça genuinamente brasileira, produzida nos engenhos decadentes: o mito da democracia racial. Pena que alguns, de tão viciados, não largam a garrafa.

* Luiz Silva (Cuti), escritor, doutor em literatura brasileira.
Fonte: Lista Discriminação Racial
Enviado por Vera Lopes
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O texto de Ferreira Gullar publicado na Folha de São Paulo no dia 04.12.2011.
Ferreira Gullar – Preconceito cultural
Cruz e Souza e Machado de Assis foram herdeiros de tendências europeias; não se pode afirmar que faziam ‘literatura negra’

De alguns anos para cá, passou-se a falar em literatura negra brasileira para definir uma literatura escrita por negros ou mulatos. Tenho dúvidas da pertinência de uma tal designação. E me lembrei de que, no campo das artes plásticas, em começos do século 20, falava-se de escultura negra, mas, creio eu, de maneira apropriada.

Naquele momento, a arte europeia questionava o caráter imitativo da linguagem plástica e descobria que as formas têm expressão autônoma, independentemente do que representem, ou seja, não é necessário que uma escultura imite um corpo de mulher para ter expressão estética, para ser arte.

As esculturas africanas, trazidas para a Europa pelos antropólogos, eram tão “modernas” quanto as dos artistas europeus de vanguarda, já que fugiam a qualquer imitação anatômica. Foram chamadas de arte negra não apenas porque as pessoas que as faziam eram da raça negra e, sim, porque constituíam uma expressão própria a sua cultura.

Não é o caso da literatura. A contribuição do negro à cultura brasileira é inestimável, a tal ponto que falar de contribuição é pouco, uma vez que ela é constitutiva dessa cultura.

O Brasil não seria o país que o mundo conhece - e que nós amamos - sem a música que tem, sem a dança que tem, criada em grande parte pelos negros.

Ninguém hoje pode imaginar este país sem os desfiles de escolas de samba, sem a dança de suas passistas, o ritmo de sua bateria, a beleza e euforia que fascinam o mundo inteiro.

Uma parte dessas manifestações artísticas é também dos brancos, mas constituem, no seu conjunto, uma expressão nova no mundo, nascida da fusão dos muitos elementos de nossa civilização mestiça.

Certamente, os estudiosos reconhecem que, sem o negro e sua criatividade, seu modo próprio de encarar a vida e mudá-la em festa e beleza, não seríamos quem somos. Mas teria sentido, agora, pretender separar, no samba, na dança, no Carnaval, o que é negro do que não é? E já imaginou se, diante disso, surgissem outros para definir, em nosso samba, o que é branco e o que é negro?

E, em função disso, se iniciasse uma disputa para saber quem mais contribuiu, se Pixinguinha ou Tom Jobim, se Ataulfo Alves ou Noel Rosa, se Cartola ou Chico Buarque?

Felizmente, isso não vai acontecer, mesmo porque, nesse terreno, ninguém se preocupa em distinguir música negra de música branca. O que há é música brasileira.

Mas, infelizmente, na literatura, essa descriminação começa a surgir. Não acredito que vá muito longe, uma vez que é destituída de fundamento, mas, de qualquer maneira, contribuirá para criar confusão.

Falar de literatura brasileira negra não tem cabimento. Os negros, que para cá vieram na condição de escravos, não tinham literatura, já que essa manifestação não fazia parte de sua cultura. Consequentemente, foi aqui que tomaram conhecimento dela e, com os anos, passaram a cultivá-la. Se é verdade que, nas condições daquele Brasil atrasado de então, a vasta maioria dos escravos nem sequer aprendia a ler – e não só eles, como também quase o povo todo -, com o passar dos séculos e as mudanças na sociedade brasileira, alguns de seus descendentes, não apenas aprenderam a ler como também se tornaram grandes escritores, tal é o caso de Cruz e Souza, Machado de Assis e Lima Barreto, para ficarmos nos mais célebres.

Cruz e Souza era negro; Machado de Assis, mulato, mas tanto um quanto outro foram herdeiros de tendências literárias europeias, fazendo delas veículo de seu modo particular de sentir e expressar a vida. Não se pode, portanto, afirmar que faziam “literatura negra” por terem negra ou parda a cor da pele.

Pode ser que os que falam em literatura negra pretendam valorizar a contribuição do negro à literatura brasileira. A intenção é boa, mas causa estranheza, já que o Brasil inteiro reconhece Machado de Assis como o maior escritor brasileiro de todos os tempos, Pelé como um gênio do futebol e Pixinguinha, um gênio da música.

Contra toda evidência, afirmam que só quando se formar no Brasil um grande público afrodescendente os escritores negros serão reconhecidos, como se só quem é negro tivesse isenção para gostar de literatura escrita por negros. Dizer isso ou é tolice ou má-fé.

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Recebido de Nelson Maka, a quem agradecemos.


sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Repouso semanal e salário nos feriados: legislação alterada

Alterada legislação do repouso semanal e pagamento de salário nos feriados

09-12-2011 - JB Online

Diário Oficial da União publica hoje (9 de dezembro de 2011) decreto assinado pela presidenta Dilma Rousseff e pelo ministro interino do Trabalho, Paulo Roberto dos Santos Pinto, que altera a legislação referente ao repouso semanal e ao pagamento de salário nos feriados civis e religiosos.

A alteração é referente ao valor da multa devida pelas infrações à lei. O valor, que ainda estava colocado em cruzeiros - entre cem e 5 mil cruzeiros - varia agora entre R$ 40,25 e R$ 4.025,33, segundo a natureza da infração, sua extensão e a intenção de quem a praticou. No caso de reincidência e oposição à fiscalização ou desacato à autoridade, o valor será cobrado em dobro.

Pela legislação vigente, todo empregado tem direito ao repouso semanal remunerado de 24 horas consecutivas, preferencialmente aos domingos e, nos limites das exigências técnicas das empresas, nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local.

  • Entre os empregados a que se refere a lei, incluem-se os trabalhadores rurais, salvo os que operem em qualquer regime de parceria, meação ou forma semelhante de participação na produção.
  • O regime dessa lei é extensivo àqueles que, sob forma autônoma, trabalhem agrupados, por intermédio de sindicato, caixa portuária ou entidade congênere. A remuneração do repouso obrigatório, nesse caso, consistirá no acréscimo de um sexto calculado sobre os salários efetivamente percebidos pelo trabalhador e pago juntamente com os mesmos.
  • É devido o repouso semanal remunerado, nos termos da lei, aos trabalhadores das autarquias e de empresas industriais ou sob administração da União, dos estados e dos municípios ou incorporadas aos seus patrimônios, que não estejam subordinados ao regime do funcionalismo público.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Saúde: Carta de Brasília 2011

14ª Conferência Nacional de Saúde Aprova a Carta de Brasília!
  • Carta da 14ª Conferência Nacional de Saúde à Sociedade Brasileira
  • Todos usam o SUS: SUS na Seguridade Social! Política Pública, Patrimônio do Povo Brasileiro
  • Acesso e Acolhimento com Qualidade: um desafio para o SUS

Nestes cinco dias da etapa nacional da 14ª Conferência Nacional de Saúde reunimos 2.937 delegados e 491 convidados, representantes de 4.375 Conferências Municipais e 27 Conferências Estaduais.
  • Somos aqueles que defendem o Sistema Único de Saúde como patrimônio do povo brasileiro.
  • Punhos cerrados e palmas! Cenhos franzidos e sorrisos.
  • Nossos mais fortes sentimentos se expressam em defesa do Sistema Único de Saúde.
  • Defendemos intransigentemente um SUS Universal, integral, equânime, descentralizado e estruturado no controle social.
  • Os compromissos dessa Conferência foram traçados para garantir a qualidade de vida de todos e todas.
A Saúde é constitucionalmente assegurada ao povo brasileiro como direito de todos e dever do Estado. A Saúde integra as políticas de Seguridade Social, conforme estabelecido na Constituição Brasileira, e necessita ser fortalecida como política de proteção social no País.

Os princípios e as diretrizes do SUS – de descentralização, atenção integral e participação da comunidade – continuam a mobilizar cada ação de usuários, trabalhadores, gestores e prestadores do SUS.

Construímos o SUS tendo como orientação a universalidade, a integralidade, a igualdade e a equidade no acesso às ações e aos serviços de saúde.

O SUS, como previsto na Constituição e na legislação vigente é um modelo de reforma democrática do Estado brasileiro. É necessário transformarmos o SUS previsto na Constituição em um SUS real.

São os princípios da solidariedade e do respeito aos direitos humanos fundamentais que garantirão esse percurso que já é nosso curso nos últimos 30 anos em que atores sociais militantes do SUS, como os usuários, os trabalhadores, os gestores e os prestadores, exercem papel fundamental na construção do SUS.

A ordenação das ações políticas e econômicas deve garantir os direitos sociais, a universalização das políticas sociais e o respeito às diversidades etnicorracial, geracional, de gênero e regional. Defendemos, assim, o desenvolvimento sustentável e um projeto de Nação baseado na soberania, no crescimento sustentado da economia e no fortalecimento da base produtiva e tecnológica para diminuir a dependência externa.

A valorização do trabalho, a redistribuição da renda e a consolidação da democracia caminham em consonância com este projeto de desenvolvimento, garantindo os direitos constitucionais à alimentação adequada, ao emprego, à moradia, à educação, ao acesso à terra, ao saneamento, ao esporte e lazer, à cultura, à segurança pública, à segurança alimentar e nutricional integradas às políticas de saúde.

Queremos implantar e ampliar as Políticas de Promoção da Equidade para reduzir as condições desiguais a que são submetidas as mulheres, crianças, idosos, a população negra e a população indígena, as comunidades quilombolas, as populações do campo e da floresta, ribeirinha, a população LGBT, a população cigana, as pessoas em situação de rua, as pessoas com deficiência e patologias e necessidades alimentares especiais.

As políticas de promoção da saúde devem ser organizadas com base no território com participação inter-setorial articulando a vigilância em saúde com a Atenção Básica e devem ser financiadas de forma tripartite pelas três esferas de governo para que sejam superadas as iniqüidades e as especificidades regionais do País.

Defendemos que a Atenção Básica seja ordenadora da rede de saúde, caracterizando-se pela resolutividade e pelo acesso e acolhimento com qualidade em tempo adequado e com civilidade.

A importância da efetivação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos, além da garantia de atenção à mulher em situação de violência, contribuirão para a redução da mortalidade materna e neonatal, o combate ao câncer de colo uterino e de mama e uma vida com dignidade e saúde em todas as fases de vida.

A implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra deve estar voltada para o entendimento de que o racismo é um dos determinantes das condições de saúde. Que as Políticas de Atenção Integral à Saúde das Populações do Campo e da Floresta e da População LGBT, recentemente pactuadas e formalizadas, se tornem instrumentos que contribuam para a garantia do direito, da promoção da igualdade e da qualidade de vida dessas populações, superando todas as formas de discriminação e exclusão da cidadania, e transformando o campo e a cidade em lugar de produção da saúde. Para garantir o acesso às ações e serviços de saúde, com qualidade e respeito às populações indígenas, defendemos o fortalecimento do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. A Vigilância em Saúde do Trabalhador deve se viabilizar por meio da integração entre a Rede Nacional de Saúde do Trabalhador e as Vigilâncias em Saúde Estaduais e Municipais. Buscamos o desenvolvimento de um indicador universal de acidentes de trabalho que se incorpore aos sistemas de informação do SUS. Defendemos o fortalecimento da Política Nacional de Saúde Mental e Álcool e outras drogas, alinhados aos preceitos da Reforma Psiquiátrica antimanicomial brasileira e coerente com as deliberações da IV Conferência Nacional de Saúde Mental.

Em relação ao financiamento do SUS é preciso aprovar a regulamentação da Emenda Constitucional 29. A União deve destinar 10% da sua receita corrente bruta para a saúde, sem incidência da Desvinculação de Recursos da União (DRU), que permita ao Governo Federal a redistribuição de 20% de suas receitas para outras despesas. Defendemos a eliminação de todas as formas de subsídios públicos à comercialização de planos e seguros privados de saúde e de insumos, bem como o aprimoramento de mecanismos, normas e/ou portarias para o ressarcimento imediato ao SUS por serviços a usuários da saúde suplementar. Além disso, é necessário manter a redução da taxa de juros, criar novas fontes de recursos, aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para a saúde, tributar as grandes riquezas, fortunas e latifúndios, tributar o tabaco e as bebidas alcoólicas, taxar a movimentação interbancária, instituir um percentual dos royalties do petróleo e da mineração para a saúde e garantir um percentual do lucro das empresas automobilísticas.

Defendemos a gestão 100% SUS, sem privatização: sistema único e comando único, sem “dupla-porta”, contra a terceirização da gestão e com controle social amplo. A gestão deve ser pública e a regulação de suas ações e serviços deve ser 100% estatal, para qualquer prestador de serviços ou parceiros. Precisamos contribuir para a construção do marco legal para as relações do Estado com o terceiro setor. Defendemos a profissionalização das direções, assegurando autonomia administrativa aos hospitais vinculados ao SUS, contratualizando metas para as equipes e unidades de saúde. Defendemos a exclusão dos gastos com a folha de pessoal da Saúde e da Educação do limite estabelecido para as Prefeituras, Estados, Distrito Federal e União pela Lei de Responsabilidade Fiscal e lutamos pela aprovação da Lei de Responsabilidade Sanitária.

Para fortalecer a Política de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde é estratégico promover a valorização dos trabalhadores e trabalhadoras em saúde, investir na educação permanente e formação profissional de acordo com as necessidades de saúde da população, garantir salários dignos e carreira definida de acordo com as diretrizes da Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS, assim como, realizar concurso ou seleção pública com vínculos que respeitem a legislação trabalhista. e assegurem condições adequadas de trabalho, implantando a Política de Promoção da Saúde do Trabalhador do SUS.

Visando fortalecer a política de democratização das relações de trabalho e fixação de profissionais, defendemos a implantação das Mesas Municipais e Estaduais de Negociação do SUS, assim como os protocolos da Mesa Nacional de Negociação Permanente em especial o de Diretrizes Nacionais da Carreira Multiprofissional da Saúde e o da Política de Desprecarização. O Plano de Cargos, Carreiras e Salários no âmbito municipal/regional deve ter como base as necessidades loco-regionais, com contrapartida dos Estados e da União.

Defendemos a adoção da carga horária máxima de 30 horas semanais para a enfermagem e para todas as categorias profissionais que compõem o SUS, sem redução de salário, visando cuidados mais seguros e de qualidade aos usuários. Apoiamos ainda a regulamentação do piso salarial dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), Agentes de Controle de Endemias (ACE), Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN) com financiamento tripartite.

Para ampliar a atuação dos profissionais de saúde no SUS, em especial na Atenção Básica, buscamos a valorização das Residências Médicas e Multiprofissionais, assim como implementar o Serviço Civil para os profissionais da área da saúde. A revisão e reestruturação curricular das profissões da área da saúde devem estar articuladas com a regulação, a fiscalização da qualidade e a criação de novos cursos, de acordo com as necessidades sociais da população e do SUS no território.

O esforço de garantir e ampliar a participação da sociedade brasileira, sobretudo dos segmentos mais excluídos, foi determinante para dar maior legitimidade à 14ª Conferência Nacional de Saúde. Este esforço deve ser estendido de forma permanente, pois ainda há desigualdades de acesso e de participação de importantes segmentos populacionais no SUS.

Há ainda a incompreensão entre alguns gestores para com a participação da comunidade garantida na Constituição Cidadã e o papel deliberativo dos conselhos traduzidos na Lei nº 8.142/90. Superar esse impasse é uma tarefa, mais do que um desafio.

A garantia do direito à saúde é, aqui, reafirmada com o compromisso pela implantação de todas as deliberações da 14ª Conferência Nacional de Saúde que orientará nossas ações nos próximos quatro anos reconhecendo a legitimidade daqueles que compõe os conselhos de saúde, fortalecendo o caráter deliberativo dos conselhos já conquistado em lei e que precisa ser assumido com precisão e compromisso na prática em todas as esferas de governo, pelos gestores e prestadores, pelos trabalhadores e pelos usuários.

Somos cidadãs e cidadãos que não deixam para o dia seguinte o que é necessário fazer no dia de hoje. Somos fortes, somos SUS.

Brasília, DF, 04/12/11

recebido de Telia Negrão - Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos / Coletivo Feminino Plural


segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O leninismo literário do poeta oficial


O leninismo literário do poeta oficial

Francisco Maciel*


Senhor Editor [da FSP],

Li com espanto o a crônica “Preconceito cultural”, do poeta Ferreira Gullar, Prêmio Jabuti deste ano [2011] e considerado o maior poeta brasileiro vivo [sic].  Como ele pode escrever a seguinte frase [?]:  “Falar de literatura brasileira negra não tem cabimento. Os negros, que para cá vieram na condição de escravos, não tinham literatura, já que essa manifestação não fazia parte de sua cultura.”

Caramba! Era só o poeta ir no Google, o pai dos cyberburros:  “Literatura oral é a antiga arte de exprimir eventos reais ou fictícios em palavras, imagens e sons. Histórias têm sido compartilhadas em todas as culturas e localidades como um meio de entretenimento, educação, preservação da cultura e para incutir conhecimento e valores morais. A literatura oral é frequentemente considerada como sendo um aspecto crucial da humanidade.”   [“] Os seres humanos têm uma habilidade natural para usar comunicação verbal para ensinar, explicar e entreter, o que explica o porquê da literatura oral ser tão preponderante na vida cotidiana”.

Ou então, melhor ainda, consultar o primeiro volume do livro Literatura e Afrodescendência no Brasil: antologia crítica – Os precursores, organizado por Eduardo de Assis Duarte, publicado pela Editora da Univers
idade Federal de Minas Gerais neste ano [2011], e conhecer o Mestre Didi, fundador da Sociedade de Estudos da Cultura Negra do Brasil (1974), da Sociedade Cultural Religiosa Ilê Asipa (1986) e do Instituto Nacional da Tradição e Cultua Afro-Brasileira (1987).  As esculturas do Mestre Didi, consideradas como recriações e interpretações pessoais dos símbolos dos orixás, já foram expostas em museus e galerias de arte de várias países. Ele participou, em 1996, da XXIII Bienal de São Paulo e em 1999 recebeu o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal da Bahia.

Mas vamos ao que interessa. “Com a sua literatura, Mestre Didi contou casos, narrou a história da cultura africana na Bahia e registrou antigos Itans, que são contos que fazem parte do patrimônio sagrado da tradição nagô. Baseadas na oralidade, tais narrativas ganham a chancela do texto impresso, sendo publicado no Brasil e no exterior” (ob. cit., p. 474).
Mestre Didi - escultura
Mestre Didi pertence à tradição dos griots, contadores de histórias, que vivem ainda hoje em muitos lugares da África ocidental, incluindo Mali, Gâmbia, Guiné, e Senegal, e estão presentes entre os povos Mandê ou Mandingas (Mandinka, Malinké, Bambara, etc.), Fula, Hausa, Songhai, Tukulóor, Wolof, Serer, Mossi, Dagomba, árabes da Mauritânia e muitos outros pequenos grupos.  Lembro aqui o romance que Os Mandarins, que narra as vidas pessoais dos membros de um grupo de intelectuais franceses no fim da Segunda Guerra Mundial, quase recebeu o título de Les Griots.

Escreve Ferreira Gullar: “Pode ser que os que falam em literatura negra pretendam valorizar a contribuição do negro à literatura brasileira. A intenção é boa, mas causa estranheza, já que o Brasil inteiro reconhece Machado de Assis como o maior escritor brasileiro de todos os tempos, Pelé como um gênio do futebol e Pixinguinha, um gênio da música.” O fato que é Machado de Assis nunca foi reconhecido oficialmente como escritor negro. Nem Gonçalves Dias. Os únicos escritores negros de valor reconhecido são Cruz Souza, porque era impossível pintá-lo de branco, e Lima Barreto, porque sempre se assumiu escritor negro. E os estudos do livro mostram que todos faziam literatura com consciência negra.

No quarto volume do Literatura e Afrodescendência no Brasil – História, teoria, polêmica pode-se ler o estudo “A personagem negra na literatura brasileira contemporânea”, de Regina Dalcastagnè, Doutora em Teoria Literária pela UNICAMP.  Sua pesquisa aborda 258 romances de autores brasileiros publicados entre 1990 e 2004 pelas “três editoras mais prestigiosas do país, segundo levantamento realizado junto a acadêmicos, críticos e ficcionistas: Companhia das Letras, Record e Rocco.”  Uma segunda base de dado, usada como complemento e contraponto, reúne os 130 romance de autores brasileiros publicados em primeira edição entre 1965 e 1979 pela Civilização Brasileira.

Foram publicados 80 diferentes escritores no primeiro período e 165 no segundo – em sua grande maioria homens, sendo que as mulheres não alcançaram um quarto total. Mas a homogeneidade racial é ainda mais gritante: no segundo período são brancos 93,9% dos autores e autoras estudados (3,6% não tiveram a cor identificada e os “não-brancos”, como categoria coletiva, ficaram em menos de 2,4%). Para o primeiro período, foram 93% de brancos e 7% sem cor identificada” (ob. cit., p. 312).

Buscar um público de leitores negros para uma literatura negra pode até ser “tolice ou má-fé.” Mas diante de um trabalho de 10 anos, fruto da colaboração de 61 pesquisadores de 21 universidades brasileiras e seis estrangeiras, não pode ser descartado como “discriminação”. Se tivesse boa vontade, o autor do Poema Sujo reconheceria que tal esforço merece aplausos por dar visibilidade a uma produção literária que tem sido relegada aos cupins e sofre um “você não existe” de uma certa “silenciatura” brasileira. O fato dessa literatura ser negra não é um detalhe ou empecilho: é uma urgência, um reconhecimento, um testemunho.  E não é um preconceito cultural: é uma luta cultural contra o preconceito.

Ressalvada as diferenças, o projeto Literatura e Afrodescendência no Brasil: Antologia Crítica tem pontos em comum com Cinco vezes favela - Agora por nós mesmos, projeto capitaneado por Cacá Diegues e Renata Almeida Magalhães, que reúne curtas-metragens realizados por jovens cineastas originários de comunidades carentes do Rio de Janeiro. É como se Cacá Diegues incorporasse Castro Alves, Jorge Amado: “Já falamos por vocês. Agora está hora de vocês botarem a boca no trombone e serem todos Pixinguinhas”.

Seria bonito ouvir isso do Ferreira Gullar. O poeta consagrado consegue ver boa intenção onde há busca de valorização e representação, mas vê estranheza na reivindicação de falar por si mesmo, ter voz própria e mostrar que, além de sambista e jogador de futebol, negros podem ser poetas e escritores.

Seria até uma força. Mas talvez seja pedir generosidade de alguém que encarna a luta pelo poder literário com um certo leninismo determinado e agressivo.

* Francisco Maciel
Autor do romance O primeiro dia do ano da peste (Estação Liberdade, 2001), que um repórter da Folha não gostou: marcou entrevista comigo e não veio.  Faço  parte antologia Entre Dois Mundos (lançada também pela Estação Liberdade, em parceria com o Instituto Goethe de São Paulo). Lancei este ano um livro de poemas, Cavalos & Santos, justamente no dia do lançamento do Literatura e Afrodescendência, no dia 28 de fevereiro, na Biblioteca Nacional, no Auditório Machado de Assis.
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O texto de Ferreira Gullar, na FSP - Folha de São Paulo, Revista “llustrada” de domingo, 04/12/2011, pode ser lido no Blog “Conteudo livre” - “É Clipping!!”, de Ibitinga, São Paulo, Brasil
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Recebido de Adriana Baptista e Lia Vieira, a quem agradecemos.
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Para continuar a reflexão, o texto de Cuti
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domingo, 4 de dezembro de 2011

Nova agressão fundamentalista ao Estado Laico e às minorias: PEC 99/11


Nova agressão fundamentalista ao Estado Laico e às minorias: PEC 99/11


Por Karla Joyce

Como se não bastasse a realização de cultos em dependências de órgãos públicos como a Presidência da República e Senado Federal, Parque Gospel no Acre, obrigatoriedade de bíblias em bibliotecas públicas, ameaças ao Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação para que esta voltasse a transmitir programas religiosos na TV pública, e a concessão de passaportes diplomáticos a pastores evangélicos (Edir Macedo e R. R. Soares), a Bancada Teocrata lança uma nova ameaça ao nosso (frágil) Estado Laico.


Aqui, para assinar contra.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Jandira defende CSGF para serviços de saúde

Jandira defende CSGF para serviços de saúde

Jornal do Brasil
02/12/2011 - às 21h21



A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) entregou na quarta-feira (30 de novembro 2011) o seu parecer ao projeto de lei complementar (PLP) nº 48/11, de autoria do deputado Dr. Aluízio (PV-RJ), que propõe a criação da Contribuição Social das Grandes Fortunas (CSGF), cuja expectativa é arrecadar anualmente R$ 14 bilhões para financiar a saúde no país.


Na condição de relatora da matéria, a parlamentar defende que a arrecadação dessa contribuição seja direcionada exclusivamente para ações e serviços de saúde e o valor recolhido será destinado ao Fundo Nacional de Saúde (FNS). A medida alcança um universo de 56 mil contribuintes brasileiros com patrimônio superior a R$ 4 milhões. E a expectativa é que o texto seja apreciado pela Comissão de Seguridade Social da Câmara dos Deputados na próxima quarta-feira (7 de dezembro).


Reestruturação do SUS

Em seu relatório, Jandira Feghali propõe a criação de
nove faixas de riqueza em que os contribuintes nelas inseridos ficariam obrigados a pagar a contribuição, cuja única finalidade será financiar o SUS. O texto prevê que contribuintes com patrimônio
- entre R$ 4 milhões e R$ 7 milhões pagariam uma alíquota de 0,4% sobre esses valores;
- entre R$ 7 milhões e R$ 12 milhões, 0,5%;
- entre R$ 12 milhões e R$ 20 milhões, 0,6%;
- entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões, 0,8%;
- entre R$ 30 milhões e R$ 50 milhões, 1%;
- entre R$ 50 e R$ 75 milhões, 1,2%;
- entre R$ 75 milhões e R$ 120 milhões, 1,5%;
- entre R$ 120 milhões e R$ 150 milhões, 1,8%;
- e a última faixa, para aqueles contribuintes com renda acima de R$ 150 milhões, a alíquota seria de 2,1% sobre esse valor

Mudanças entre parecer e proposta original


Uma das contribuições oferecidas pela parlamentar foi
modificar de 9 (nove) para 6 (seis) as faixas de riqueza, entre R$ 5,52 milhões e acima de R$ 115 milhões, e não entre R$ 4 milhões e acima de R$ 150 milhões. A base de dados utilizada pelo autor da proposta e a relatora da matéria foi disponibilizada pela Receita Federal, que adotou como referência o ano de 2008. Segundo o órgão, o universo das grandes fortunas no país está assim distribuído:

- 997 contribuintes com patrimônio superior a R$ 100 milhões;

- 1.327 pessoas declararam ter um patrimônio entre R$ 50 milhões e R$ 100 milhões;
- 5.047 entre R$ 20 milhões e R$ 50 milhões;
- 10.168 entre R$ 10 e R$ 20 milhões;
- 26.206 entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões.

Segundo Jandira, os números explicam porque a contribuição sobre as grandes fortunas recai sobre um contingente reduzido de 38.095 contribuintes
. Ela também explica que escolheu a modalidade de contribuição social como uma estratégia para vincular a destinação dos recursos para a Saúde. Se o dinheiro fosse recolhido na condição de imposto, estaria sujeito à livre utilização da União. Segundo Feghali, a expectativa de arrecadação anual é de quase R$ 14 bilhões.

Segundo ela, a iniciativa estimula a construção de uma sociedade mais justa e democrática. “
A constituição brasileira já prevê a taxação sobre grandes fortunas como forma de redistribuição de benefícios com o conjunto da sociedade. É assim com o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo, Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e até mesmo com a Contribuição à Seguridade Social brasileira”, defende.

A iniciativa do Projeto de Lei foi baseada  na legislação francesa, que cobra o Impôt de Solidarité sur la Fortune. O imposto francês é o mesmo que serviu como inspiração para os parâmetros e cálculos definidos das alíquotas de incidência do projeto relatado por Jandira Feghali.


Extraído de
JB Online

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Lei Maria da Penha: "Maior resistência é no Judiciário"

"Maior resistência à lei Maria da Penha é no Judiciário", diz Jandira Feghali

25/11/2011 - às 16h06Jornal do Brasil - Luisa Bustamante

O mundo comemora nesta sexta-feira (25) o Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher.

Por aqui, figura entre as três mais famosas leis do país a Maria da Penha, de 2006, escrita pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), o que já seria motivo o suficiente para comemorar a data. Ainda assim, a relatora faz críticas à aplicação da lei no país.

“Ainda é uma luta política fazer cumprir. A maior resistência na aplicação da lei vem do Judiciário. Eles dizem que não gostam da lei, mas lei não é pra ninguém gostar”, disse a deputada, que também cita resistências na interpretação do texto.

Jandira também aponta que o maior desafio no combate à violência contra a mulher é a disseminação da informação. Ainda que as pessoas conheçam a Lei Maria da Penha - que figura entre as três mais famosas do Brasil, acrescenta - a população desconhece a amplitude do texto, que dá cobertura até à violência contra empregadas domésticas.

Mudança cultural

Mesmo com as críticas, Jandira comenta também o valor simbólico e os avanços que a lei Maria da Penha trouxe para o país. “Acho que o mais importante é como a lei intimida o comportamento agressivo contra a mulher. É claro que a violência ainda é muito elevada, não dá para mudar em cinco anos as agressões seculares contra o público feminino”, completa. “As pessoas têm mais confiança na ação policial e judicial contra este tipo de violência”.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Resolução do CNPCP-MJ proíbe dízimos e revista íntima de religiosos em presídios

Medida proíbe dízimos e revista íntima de religiosos em presídios

Portal Terra - Daniel Favero - 21/11 às 13h10
Extraído de JB Online

Recentemente o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), vinculado ao Ministério da Justiça (MJ), baixou resolução que normatiza a prática de cultos e assistência religiosa dentro de presídios brasileiros. As normas orientam as secretarias estudais, reafirmando o direto da prática religiosa, seja qual for a crença, católica, evangélica, afro-brasileira ou espírita, todas elas são comuns nos presídios brasileiros.


A norma proíbe o (1) recolhimento de dízimos e (2) venda de material religioso e (3) prevê o cadastro das instituições, que devem comprovar um ano de existência, e (4) também dos agentes religiosos, que passam a ser isentos de revista íntima. Também fica autorizado o uso de objetos para os cultos, desde que não apresentem risco para a segurança.


"A resolução efetiva o direito, deixando bem claro o direito da prática religiosa, mas sem abrir mão da segurança, porque estamos falando de presídios e não de locais abertos", afirma o presidente do CNPCP, Geder Luiz Rocha Gomes.


O Ministério da Justiça não possui um levantamento sobre as crenças religiosas dos presidiários. Os dados disponíveis são de pesquisas sócio-criminais realizadas nas penitenciárias federais de Catanduvas (PR) e Campo Grande (MS) que datam de 2005 e 2007. Na primeira unidade, entre os entrevistados, 57,3%, disseram ser católicos, 22,79%, evangélicos, 17,65%, sem religião, 1,47%, espíritas e, 0,74%, testemunhas de Jeová. Em Campo Grande, 53,15%, se disseram católicos, 27,19%, evangélicos, 4,5%, espíritas, 3,6%, mulçumanos e 8,1%, não respondeu.


Segundo o pastor Edvandro Machado Cavalcante, coordenador da Pastoral Carcerária da Igreja Metodista do Rio de Janeiro, que realiza o trabalho de assistência religiosa a presidiários há mais de 10 anos, o trabalho dentro dos presídios é realizado por entidades das mais diversas orientações religiosas: evangélicas, religiões afro-brasileiras, espíritas e católicas. "São diversas religiões, mas a grande maioria é evangélica, mas o espaço é plural, sim", afirma.


Ele considera a iniciativa de norma como positiva, uma vez que as determinações apontam, ao menos, diretrizes para problemas que se arrastavam há anos, como a possibilidade de revista íntima para os agentes religiosos, o que passou a ser proibido com a nova norma. "A legislação dava uma de João sem braço. Isso era um ponto muito delicado, principalmente aqui no Estado do Rio. Os agentes penitenciários não faziam, mas teoricamente poderiam fazer. Acho muito importante que isso fique claro. Porque aquela revista é vexatória", afirma.


Ele concorda ainda com a proibição da arrecadação de dízimos e venda de material religiosa pois acredita que, apesar da oferta fazer parte da prática religiosa de algumas igrejas, dentro dos presídios a assistência religiosa deve ser feita de forma diferente. "A igreja e qualquer entidade religiosa têm que agir de forma diferente dentro dos presídios. Ir lá para arrecadar junto a essa população tão espoliada é uma indignidade, violenta o principio mais básico da dignidade humana. É uma preocupação de muito bom tom, apesar da portaria 005 da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (SEAP), que regulamenta a ação do agente religioso, já deixar claro que não pode haver comércio nem arrecadação", completa.


O pastor conta que na maioria das unidades prisionais já existe uma local destinado para as práticas religiosas, apesar das dificuldades impostas pela arquitetura prisional existente no Brasil. No entanto, ele defende ainda que o espaço seja usado para ações que ultrapassam a assistência religiosa, com atividades educativas e profissionalizantes. "Um grande problema é a arquitetura prisional, não tem lugares para atividades laborativas, educacional", disse ele ao falar sobre um projeto de educação informática que é realizado pela Metodista no Rio.


Evangélicos são respeitados


Uma das religiões mais respeitadas, senão a mais, é a evangélica. Quando um preso se converte, passa a fazer parte de um grupo, que convive em áreas diferentes e que conta com uma certa imunidade entre as facções dividas nos pavilhões.


"Isso é engraçado, em alguns presídios você tem o comando tal, o comando x, e os evangélicos. Até porque eles têm uma moral muito rígida dentro desses grupos, é a famosa teoria da envergadura da vara, se você teve muito de um lado, a tendência é radicalizar para o outro até encontrar um equilíbrio. Eles geralmente se filiam ao que tem de mais radical, não só em termos de comportamento, não só em relação a ética, mas também em relação a roupa e tudo mais. Não sei se por culpa, deve ter algum fenômeno psicológico que explique isso", analisa o pastor Edvandro.


Ele lembra de um episódio ocorrido há cerca de cinco anos, em Bemfica, no Rio da Janeiro, quando ocorreu um massacre de 38 detentos depois que administração do local misturou diferentes facções. "Eu conversei com um dos sobreviventes, porque sou do conselho da comunidade, um órgão que fiscaliza a execução da pena. Fui junto com juiz da VEC (Vara de Execuções Criminais) e os sobreviventes disseram assim: 'olha os crentes não mata não', 'só não me mataram porque eu tinha essa vinculação de fé', isso é fato", afirma.


Fonte JB Online

domingo, 20 de novembro de 2011

Mapeamento das Casas de Religiões de Matriz Africana -RJ: preliminares da pesquisa PUC-Rio


Religiões afro-brasileiras são vítimas de intolerância no Rio


20/11/2011 - às 10h26 - JB online


Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) sobre religiões afro-brasileiras no Estado do Rio comprova denúncias de intolerância religiosa. Dados preliminares do Mapeamento das Casas de Religiões de Matriz Africana no Rio de Janeiro, que identificou 847 templos, revelam que 451 - mais da metade - foram vítimas de algum tipo de ação que pode ser classificada como intolerância em razão da crença ou culto.


No Estado com a maior proporção de praticantes de religiões afro-brasileira na população (1,61%), segundo levantamento da Fundação Getúlio Vargas, com base no Censo 2010, a pesquisa da PUC-Rio identificou templos em 27 dos 92 municípios fluminenses. Embora não represente a totalidade das casas religiosas desse segmento no Estado, de acordo com uma das coordenadoras, a professora Denise Fonseca, o mapeamento é o primeiro a tratar de casos de intolerância religiosa.


Encomendada pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), a pesquisa começou em 2008. Em fase de análise, indica que varia o tipo de violência contra os templos. Segundo Denise Fonseca, a maioria dos casos relatados pelos entrevistados são "pequenas sabotagens", mas também agressões. "Os relatos vão desde carros sendo multados por uma polícia que nunca entra em determinada comunidade nem de dia nem de noite - a não ser em dia de atividades religiosas - até a situação de pai de santo sendo espancado por praticantes de outras religiões", disse.


Como os dados do mapeamento estão sendo avaliados caso a caso, a professora explica que o perfil dos agressores requer uma "análise cuidadosa". Mas adianta que os relatos apontam para uma confirmação de estatísticas da Polícia Civil, sendo os praticantes de religiões neopentecostais, os principais violentadores do templos de matriz africana. "Não temos provas tangíveis, concretas, mas há um conjunto de evidências que constitui um quadro bastante claro", declarou a coordenadora.


O ataque de neopentecostais contra as religiões afro-brasileira tem parte da explicação no próprio preconceito sofrido pelo grupo, segundo o teólogo da Igreja Presbiteriana de Copacabana, o reverendo André Mello. Ele explica que, para se afirmar, o grupo precisou "fazer barulho". Conquistou veículos de comunicação e amplificou as estratégias para se proteger e para angariar fiéis. "O problema é que o próprio campo religioso não sabe lidar com a diversidade", avaliou.


Por outro lado, segundo a PUC-Rio, as maiores vítimas são os candomblés da Baixada Fluminense. Embora os ataques precisem ser melhor estudados, Denise Fonseca avalia que os praticantes acabam mais "visíveis para serem atacados" porque naturalmente exibem sinais de "pertença racial", ou seja, "é o fenótipo dos praticantes, os símbolos sagrados e o alinhamento aos valores do terreiro. Essa externalidade os torna alvos mas visíveis, mas não mais vulneráveis", explicou.


A agressões praticadas por facções criminosas também são denunciadas por sacerdotes, mas ainda não estão evidentes no mapeamento. Segundo o representante do conselho de lideranças religiosas que acompanha a pesquisa da PUC-Rio, pai Pedro Miranda, da União Espiritista de Umbanda do Brasil (Ueub), em alguns episódios, a intolerância reflete "interesses comerciais", já em outros, ocorre em função da influência de seguidores de religiões neopentecostais.


"Na zona norte, em comunidade dominada, traficantes impediam trabalhos em tendas porque o barulho dos atabaques atrapalhava o controle da chegada da polícia", disse pai Pedro, que como representante do templo onde atua, responde processo criminal por excesso de barulho durante suas cerimônias. "Em outra comunidade, na qual um segmento de evangélicos escondia um traficante, em troca, a facção criminosa impedia os templos de realizarem suas atividades", completou.


Há três anos, em um serviço pioneiro no País, responsável por acompanhar casos de intolerância religiosa no Rio, o delegado Henrique Pessoa, da 4º Delegacia de Polícia, corrobora o dado da pesquisa. "Maciçamente, os agressores são neopentecostais", disse. "Eles têm um discurso que acaba na violência", declarou, ao informar que recebe cerca de 40 denúncias por ano.


Em fase de conclusão, com a previsão de ser apresentada em 2012, o mapeamento da PUC-Rio também constatou que centenas de templos têm projetos de assistência social. A maioria dá apoio a políticas públicas de distribuição de renda, suplementação alimentar para crianças, desenvolvem projetos de educação de jovens e adultos e de saúde.
Xirê, por Carybé