sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Lei Maria da Penha: "Maior resistência é no Judiciário"

"Maior resistência à lei Maria da Penha é no Judiciário", diz Jandira Feghali

25/11/2011 - às 16h06Jornal do Brasil - Luisa Bustamante

O mundo comemora nesta sexta-feira (25) o Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher.

Por aqui, figura entre as três mais famosas leis do país a Maria da Penha, de 2006, escrita pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), o que já seria motivo o suficiente para comemorar a data. Ainda assim, a relatora faz críticas à aplicação da lei no país.

“Ainda é uma luta política fazer cumprir. A maior resistência na aplicação da lei vem do Judiciário. Eles dizem que não gostam da lei, mas lei não é pra ninguém gostar”, disse a deputada, que também cita resistências na interpretação do texto.

Jandira também aponta que o maior desafio no combate à violência contra a mulher é a disseminação da informação. Ainda que as pessoas conheçam a Lei Maria da Penha - que figura entre as três mais famosas do Brasil, acrescenta - a população desconhece a amplitude do texto, que dá cobertura até à violência contra empregadas domésticas.

Mudança cultural

Mesmo com as críticas, Jandira comenta também o valor simbólico e os avanços que a lei Maria da Penha trouxe para o país. “Acho que o mais importante é como a lei intimida o comportamento agressivo contra a mulher. É claro que a violência ainda é muito elevada, não dá para mudar em cinco anos as agressões seculares contra o público feminino”, completa. “As pessoas têm mais confiança na ação policial e judicial contra este tipo de violência”.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Resolução do CNPCP-MJ proíbe dízimos e revista íntima de religiosos em presídios

Medida proíbe dízimos e revista íntima de religiosos em presídios

Portal Terra - Daniel Favero - 21/11 às 13h10
Extraído de JB Online

Recentemente o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), vinculado ao Ministério da Justiça (MJ), baixou resolução que normatiza a prática de cultos e assistência religiosa dentro de presídios brasileiros. As normas orientam as secretarias estudais, reafirmando o direto da prática religiosa, seja qual for a crença, católica, evangélica, afro-brasileira ou espírita, todas elas são comuns nos presídios brasileiros.


A norma proíbe o (1) recolhimento de dízimos e (2) venda de material religioso e (3) prevê o cadastro das instituições, que devem comprovar um ano de existência, e (4) também dos agentes religiosos, que passam a ser isentos de revista íntima. Também fica autorizado o uso de objetos para os cultos, desde que não apresentem risco para a segurança.


"A resolução efetiva o direito, deixando bem claro o direito da prática religiosa, mas sem abrir mão da segurança, porque estamos falando de presídios e não de locais abertos", afirma o presidente do CNPCP, Geder Luiz Rocha Gomes.


O Ministério da Justiça não possui um levantamento sobre as crenças religiosas dos presidiários. Os dados disponíveis são de pesquisas sócio-criminais realizadas nas penitenciárias federais de Catanduvas (PR) e Campo Grande (MS) que datam de 2005 e 2007. Na primeira unidade, entre os entrevistados, 57,3%, disseram ser católicos, 22,79%, evangélicos, 17,65%, sem religião, 1,47%, espíritas e, 0,74%, testemunhas de Jeová. Em Campo Grande, 53,15%, se disseram católicos, 27,19%, evangélicos, 4,5%, espíritas, 3,6%, mulçumanos e 8,1%, não respondeu.


Segundo o pastor Edvandro Machado Cavalcante, coordenador da Pastoral Carcerária da Igreja Metodista do Rio de Janeiro, que realiza o trabalho de assistência religiosa a presidiários há mais de 10 anos, o trabalho dentro dos presídios é realizado por entidades das mais diversas orientações religiosas: evangélicas, religiões afro-brasileiras, espíritas e católicas. "São diversas religiões, mas a grande maioria é evangélica, mas o espaço é plural, sim", afirma.


Ele considera a iniciativa de norma como positiva, uma vez que as determinações apontam, ao menos, diretrizes para problemas que se arrastavam há anos, como a possibilidade de revista íntima para os agentes religiosos, o que passou a ser proibido com a nova norma. "A legislação dava uma de João sem braço. Isso era um ponto muito delicado, principalmente aqui no Estado do Rio. Os agentes penitenciários não faziam, mas teoricamente poderiam fazer. Acho muito importante que isso fique claro. Porque aquela revista é vexatória", afirma.


Ele concorda ainda com a proibição da arrecadação de dízimos e venda de material religiosa pois acredita que, apesar da oferta fazer parte da prática religiosa de algumas igrejas, dentro dos presídios a assistência religiosa deve ser feita de forma diferente. "A igreja e qualquer entidade religiosa têm que agir de forma diferente dentro dos presídios. Ir lá para arrecadar junto a essa população tão espoliada é uma indignidade, violenta o principio mais básico da dignidade humana. É uma preocupação de muito bom tom, apesar da portaria 005 da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (SEAP), que regulamenta a ação do agente religioso, já deixar claro que não pode haver comércio nem arrecadação", completa.


O pastor conta que na maioria das unidades prisionais já existe uma local destinado para as práticas religiosas, apesar das dificuldades impostas pela arquitetura prisional existente no Brasil. No entanto, ele defende ainda que o espaço seja usado para ações que ultrapassam a assistência religiosa, com atividades educativas e profissionalizantes. "Um grande problema é a arquitetura prisional, não tem lugares para atividades laborativas, educacional", disse ele ao falar sobre um projeto de educação informática que é realizado pela Metodista no Rio.


Evangélicos são respeitados


Uma das religiões mais respeitadas, senão a mais, é a evangélica. Quando um preso se converte, passa a fazer parte de um grupo, que convive em áreas diferentes e que conta com uma certa imunidade entre as facções dividas nos pavilhões.


"Isso é engraçado, em alguns presídios você tem o comando tal, o comando x, e os evangélicos. Até porque eles têm uma moral muito rígida dentro desses grupos, é a famosa teoria da envergadura da vara, se você teve muito de um lado, a tendência é radicalizar para o outro até encontrar um equilíbrio. Eles geralmente se filiam ao que tem de mais radical, não só em termos de comportamento, não só em relação a ética, mas também em relação a roupa e tudo mais. Não sei se por culpa, deve ter algum fenômeno psicológico que explique isso", analisa o pastor Edvandro.


Ele lembra de um episódio ocorrido há cerca de cinco anos, em Bemfica, no Rio da Janeiro, quando ocorreu um massacre de 38 detentos depois que administração do local misturou diferentes facções. "Eu conversei com um dos sobreviventes, porque sou do conselho da comunidade, um órgão que fiscaliza a execução da pena. Fui junto com juiz da VEC (Vara de Execuções Criminais) e os sobreviventes disseram assim: 'olha os crentes não mata não', 'só não me mataram porque eu tinha essa vinculação de fé', isso é fato", afirma.


Fonte JB Online

domingo, 20 de novembro de 2011

Mapeamento das Casas de Religiões de Matriz Africana -RJ: preliminares da pesquisa PUC-Rio


Religiões afro-brasileiras são vítimas de intolerância no Rio


20/11/2011 - às 10h26 - JB online


Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) sobre religiões afro-brasileiras no Estado do Rio comprova denúncias de intolerância religiosa. Dados preliminares do Mapeamento das Casas de Religiões de Matriz Africana no Rio de Janeiro, que identificou 847 templos, revelam que 451 - mais da metade - foram vítimas de algum tipo de ação que pode ser classificada como intolerância em razão da crença ou culto.


No Estado com a maior proporção de praticantes de religiões afro-brasileira na população (1,61%), segundo levantamento da Fundação Getúlio Vargas, com base no Censo 2010, a pesquisa da PUC-Rio identificou templos em 27 dos 92 municípios fluminenses. Embora não represente a totalidade das casas religiosas desse segmento no Estado, de acordo com uma das coordenadoras, a professora Denise Fonseca, o mapeamento é o primeiro a tratar de casos de intolerância religiosa.


Encomendada pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), a pesquisa começou em 2008. Em fase de análise, indica que varia o tipo de violência contra os templos. Segundo Denise Fonseca, a maioria dos casos relatados pelos entrevistados são "pequenas sabotagens", mas também agressões. "Os relatos vão desde carros sendo multados por uma polícia que nunca entra em determinada comunidade nem de dia nem de noite - a não ser em dia de atividades religiosas - até a situação de pai de santo sendo espancado por praticantes de outras religiões", disse.


Como os dados do mapeamento estão sendo avaliados caso a caso, a professora explica que o perfil dos agressores requer uma "análise cuidadosa". Mas adianta que os relatos apontam para uma confirmação de estatísticas da Polícia Civil, sendo os praticantes de religiões neopentecostais, os principais violentadores do templos de matriz africana. "Não temos provas tangíveis, concretas, mas há um conjunto de evidências que constitui um quadro bastante claro", declarou a coordenadora.


O ataque de neopentecostais contra as religiões afro-brasileira tem parte da explicação no próprio preconceito sofrido pelo grupo, segundo o teólogo da Igreja Presbiteriana de Copacabana, o reverendo André Mello. Ele explica que, para se afirmar, o grupo precisou "fazer barulho". Conquistou veículos de comunicação e amplificou as estratégias para se proteger e para angariar fiéis. "O problema é que o próprio campo religioso não sabe lidar com a diversidade", avaliou.


Por outro lado, segundo a PUC-Rio, as maiores vítimas são os candomblés da Baixada Fluminense. Embora os ataques precisem ser melhor estudados, Denise Fonseca avalia que os praticantes acabam mais "visíveis para serem atacados" porque naturalmente exibem sinais de "pertença racial", ou seja, "é o fenótipo dos praticantes, os símbolos sagrados e o alinhamento aos valores do terreiro. Essa externalidade os torna alvos mas visíveis, mas não mais vulneráveis", explicou.


A agressões praticadas por facções criminosas também são denunciadas por sacerdotes, mas ainda não estão evidentes no mapeamento. Segundo o representante do conselho de lideranças religiosas que acompanha a pesquisa da PUC-Rio, pai Pedro Miranda, da União Espiritista de Umbanda do Brasil (Ueub), em alguns episódios, a intolerância reflete "interesses comerciais", já em outros, ocorre em função da influência de seguidores de religiões neopentecostais.


"Na zona norte, em comunidade dominada, traficantes impediam trabalhos em tendas porque o barulho dos atabaques atrapalhava o controle da chegada da polícia", disse pai Pedro, que como representante do templo onde atua, responde processo criminal por excesso de barulho durante suas cerimônias. "Em outra comunidade, na qual um segmento de evangélicos escondia um traficante, em troca, a facção criminosa impedia os templos de realizarem suas atividades", completou.


Há três anos, em um serviço pioneiro no País, responsável por acompanhar casos de intolerância religiosa no Rio, o delegado Henrique Pessoa, da 4º Delegacia de Polícia, corrobora o dado da pesquisa. "Maciçamente, os agressores são neopentecostais", disse. "Eles têm um discurso que acaba na violência", declarou, ao informar que recebe cerca de 40 denúncias por ano.


Em fase de conclusão, com a previsão de ser apresentada em 2012, o mapeamento da PUC-Rio também constatou que centenas de templos têm projetos de assistência social. A maioria dá apoio a políticas públicas de distribuição de renda, suplementação alimentar para crianças, desenvolvem projetos de educação de jovens e adultos e de saúde.
Xirê, por Carybé

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Dia Internacional para a Tolerância


Dia Internacional para a Tolerância

Luanda - Assinala-se hoje, 16 de Novembro, o Dia Internacional para a Tolerância, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em reconhecimento à Declaração de Paris, assinada no dia 12 deste mês, em 1995, por 185 Estados.

A Declaração da ONU fez parte do evento sobre o esforço internacional do Ano das Nações Unidas para a Tolerância.  Nela, os Estados participantes reafirmaram a "fé nos Direitos Humanos fundamentais" e ainda na dignidade e valor dos seres humanos, além de poupar sucessivas gerações das guerras por questões culturais, devendo ser incentivada a prática da tolerância, a convivência pacífica entre os povos vizinhos.

Foi então evocado o dia 16 de Novembro, aquando da assinatura da Constituição da UNESCO em 1945. Remetia, ainda, à Declaração Universal dos Direitos Humanos que afirma:

1 - Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, consciência e religião (Artigo 18);

2 - Todos têm direito à liberdade de opinião e expressão (Artigo 19)

3 - A educação deve promover a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações, grupos raciais e religiosos (Artigo 26).

Para a consecução da tolerância entre os povos, são relacionados os seguintes instrumentos jurídicos internacionais:

  • - Convenção Internacional dos Direitos Civis e Políticos. 
  • - Convenção Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
  • - Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.
  • - Convenção para a Prevenção e Combate ao Crime de Genocídio.
  • - A Convenção de 1951 relativa aos Refugiados e seus Protocolos de 1967 e, ainda, os instrumentos regionais.
  • - Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.
  • - Convenção contra a Tortura e combate a todas as formas de tratamento cruel, desumano ou castigo degradante.
  • - Declaração de Eliminação de todas as formas de Intolerância baseada na religião ou crença.
  • - Declaração dos Direitos das Pessoas que pertencem a Nações ou Minorias Étnicas, Religiosas e Linguísticas.
  • - Declaração de Medidas para Eliminar o Terrorismo Internacional.
  • - Declaração de Viena e Programa de Acção da Conferência Mundial de Direitos Humanos.
  • - Declaração de Copenhague e Programa de Acção adoptada pela Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social.
  • - Declaração da UNESCO sobre Raça e Preconceito Racial.
  • - Convenção da UNESCO e Recomendação contra a Discriminação na Educação.

Numa mensagem divulgada no dia 14 por ocasião da data, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, considera que “o velho mundo está mudando lentamente, mas de forma irreversível, e os contornos de um novo estão apenas começando a tomar forma”

“Em tempos de mudança, precisamos nos manter leais aos ideais e princípios que estão no coração da Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, disse.

Segundo Ban Ki-mon, “Todos nós temos responsabilidades para proteger os vulneráveis à discriminação, seja pela raça, naturalidade, língua, género, orientação sexual ou por outros factores. Praticar a tolerância pode servir de antídoto contra o preconceito e o ódio”.

Disse que a UNESCO tem papel essencial na promoção da tolerância activa, promovendo a qualidade do ensino para todos as crianças, desenvolvendo uma média livre e pluralista, incluindo a Internet, protegendo a herança cultural e nutrindo o respeito pela diversidade cultural.

Ao enfrentarmos os complexos desafios globais dos nossos tempos, as Nações Unidas continuarão a trabalhar para o entendimento mútuo entre os povos e países, alicerce fundamental em um mundo inter-conectado. Neste dia internacional, vamos lembrar que a tolerância começa com cada um de nós, todos os dias”, lê-se na mensagem.

Extraído de Angola Press

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Dízimo e coação moral

Dízimo e coação moral
Gustavo de Castro Afonso*


Jornal do Brasil - 08/11/2011

O termo dízimo é derivado do latim decima, que traz a ideia de décima parte, ou, como é geralmente conhecido, 10% (dez por cento). Em linhas gerais, cultiva-se a ideia de que o praticante desta ou daquela religião colabore com o respectivo templo religioso por meio da entrega da décima parte de seus rendimentos, ou, excepcionalmente, de qualquer quantia de que se disponha ou se possa ofertar.

Pelo próprio senso comum do termo e tratando-se, na maior parte dos casos, de ato de disposição voluntária voltado à colaboração com o templo religioso do qual faz parte a pessoa, não há dúvidas de que o dízimo pode ser classificado como uma doação – a par de seu singular significado histórico ou religioso.

O problema surge quando a vontade do doador, manifestada no seu ato de disposição, não é levada a efeito de forma natural, ou seja, quando sofre interferência de outrem, somente praticando o ato por justo receio de sofrer as consequências que o terceiro lhe impôs, ainda que exclusivamente no campo psicológico.

Em outras palavras, a pessoa coagida moralmente não exerce efetivamente seu livre-arbítrio; embora, como dito, a ela se coloque a “opção” entre realizar e não realizar determinado ato, a violência psicológica é tão ampla e profunda que anula, por completo, a sensatez e a manifestação da vontade.

A possibilidade de sua ocorrência na prestação do dízimo existe quando, por exemplo, o doador, premido pelo receio de sofrer as sanções religiosas peculiares de seu credo, pratica um ato que, não fosse a coação moral, não praticaria. É bem verdade que a linha que separa a liberdade religiosa e a de disposição do indivíduo é tênue; o que se percebe, em defesa dos donatários, é a alegação de que a pessoa doa apenas porque quer, ou seja, ela não é obrigada a fazê-lo.

Nesse contexto, se o fiel é exortado a colaborar com a sua Igreja ou templo sem que haja qualquer interferência anormal no seu estado psicológico, vale dizer, sem que lhe sejam feitas ameaças de futuras e sérias dificuldades por conta da falta da doação deste ou daquele valor ou bem, o ato será perfeitamente legítimo; todavia, se a abordagem incutir na pessoa o temor de receber graves penas, futuras ou presentes, suplícios de qualquer ordem ou mesmo a ocorrência de situação vexatória e humilhante – consideradas as características pessoais de cada um, caso a caso – a doação estará irremediavelmente viciada.

Logo, ainda que donatário e doador aleguem que o ato decorreu de livre e espontânea vontade, pautado na liberdade religiosa, o ordenamento jurídico não se coaduna com a ocorrência do vício de consentimento, consubstanciado na coação moral.

Enfim, não se pode condenar, em absoluto, a figura do dízimo; ao contrário, sua prática possibilita a garantia da liberdade religiosa e de crença, prevista na Constituição federal, além de configurar uma doação como qualquer outra; o que se reprime – e para isto a jurisdição deve bem cumprir o seu papel – é a ilicitude da postura daquele que, exercendo alguma influência no ânimo do doador, nele vem a incutir o temor grave e irresistível, consubstanciado na reprimível coação moral, pois aí, nesse momento, o direito deve entrar em cena, reequilibrando a situação jurídica a favor de quem, em casos tais, foi flagrantemente prejudicado, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana.

*Gustavo de Castro Afonso é advogado e sócio do escritório Smaniotto, Cury, Castro & Barros Advogados.

domingo, 13 de novembro de 2011

Mídia e poder no Brasil: nehuma informação é inocente


O poder permanente de derrubar governos

As ondas de pânico criadas em torno de casos de corrupção, desde Collor, têm servido mais a desqualificar a política do que propriamente moralizar a nossa democracia. Apesar da imensa caça às bruxas movida pela mídia contra os governos, em nenhum momento essa sucessão de escândalos, reais ou não, incluíram seriamente a opinião pública num debate sobre a razão pela qual um sistema inteiro é apropriado pelo poder privado, e, principalmente, porque não se questiona essa apropriação. O artigo é de Maria Inês Nassif.

Maria Inês Nassif (*)
Data: 08/11/2011

A corrupção do sistema político merece uma reflexão para além das manchetes dos jornais tradicionais. Em especial neste momento que o país vive, quando a nova democracia completou 26 anos e a política, que é a sua base de representação, se desgasta perante a opinião pública. Este é o exato momento em que os valores democráticos devem prevalecer sobre todas as discordâncias partidárias, pois chegou no limite de uma escolha: ou diagnostica e aperfeiçoa o sistema político, ou verá sucumbi-lo perante o descrédito dos cidadãos.

O país pós-redemocratização passou por um governo que foi um fracasso no combate à inflação, um primeiro presidente eleito pelo voto direto pós-ditadura apeado do poder por denúncias de corrupção, dois governos tucanos que, com uma política antiinflacionária exitosa, conseguiram colocar o país no trilho do neoliberalismo que já havia grassado o mundo, e por fim dois governos do PT, um partido de difícil assimilação por parcela da população. Nesse período, a mídia incorporou como poder próprio o julgamento e o sentenciamento moral, numa magnitude tal que vai contra qualquer bom senso.

Este é um assunto difícil porque pode ser facilmente interpretado como uma defesa da corrupção, e não é. Ou como questionamento à liberdade de imprensa, e está longe disso. O que se deve colocar na mesa, para discussão, é até onde vai legitimidade da mídia tradicional brasileira para exercer uma função fiscalizadora que invade áreas que não lhes são próprias. Existe um limite tênue entre o exercício da liberdade de imprensa na fiscalização da política e a usurpação do poder de outras instituições da República.

Outra questão que preocupa muito é que a discussão emocional, fulanizada, mantida pelos jornais e revistas também como um recurso de marketing, têm como maior saldo manter o sistema político tal como é. É impossível uma discussão mais profunda nesses termos: a escandalização da política e a demonização de políticos trata-os como intrinsicamente corruptos, como pessoas de baixa moral que procuram na atividade política uma forma de enriquecimento privado. Ninguém se pergunta como os partidos sobrevivem mantidos por dinheiro privado e que tipo de concessão têm que fazer ao sistema.

Desde Antonio Gramsci, o pensador comunista italiano que morreu na masmorra de Mussolini, a expressão “nenhuma informação é inocente” tem pontuado os estudos sobre o papel da imprensa na formulação de sensos comuns que ganham a hegemonia na sociedade. Gramsci já usava o termo “jornalismo marrom” para designar os surtos de pânico promovidos pela mídia, de forma a ganhar a guerra da opinião pública pelo medo.
No Brasil atual, duas grandes crises de pânico foram alimentadas pela mídia tradicional brasileira no passado recente. Em 2002, nas eleições em que o PT seria vitorioso contra o candidato do governo FHC, a mídia claramente mediou a pressão dos mercados financeiros contra o candidato favorito, Luiz Inácio Lula da Silva. Tratava-se, no início, de fixar como senso comum a referência “ou José Serra [o candidato tucano] ou o caos”.

Depois, a meta era obrigar Lula e o PT ao recuo programático, garantindo assim a abertura do mercado financeiro, recém-completada, para os capitais internacionais. Em 2005, na época do chamado “mensalão”, o discurso do caos foi redirecionado para a corrupção. Politicamente, era uma chance fantástica para a oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva: a única alternativa para se contrapor a um líder carismático em popularidade crescente era tirar de seu partido, o PT, a bandeira da moralidade. A ofensiva da imprensa, nesse caso, não foi apenas mediadora de interesses. A mídia não apenas mediava, mas pautava a oposição e era pautada por ela, num processo de retroalimentação em que ela própria [a mídia] passou a suprir a fragilidade dos partidos oposicionistas. Ao longo desse período, tornou-se uma referência de poder político, paralelo ao instituído pelo voto.
Eleita Dilma Rousseff, a oposição institucional declinou mais ainda, num país que historicamente voto e poder caminham juntos, e ao que tudo indica a mídia assumiu com mais vigor não apenas o papel de poder político, mas de bancada paralela. Dilma está se tornando uma máquina de demitir ministros. Nas primeiras demissões, a ofensiva da mídia deu a ela um pretexto para se livrar de aliados incômodos, nas complicadas negociações a que o Poder Executivo se vê obrigado em governos de coalizão num sistema partidário como o brasileiro. Caiu, todavia, numa armadilha: ao ceder ministros, está reforçando o poder paralelo da mídia; em vez de virar refém de partidos políticos que, de fato, têm deficiências orgânicas sérias, tornou-se refém da própria mídia.

As ondas de pânico criadas em torno de casos de corrupção, desde Collor, têm servido mais a desqualificar a política do que propriamente moralizar a nossa democracia. Mais uma vez, volto à frase de Gramsci: não existe notícia inocente. O Brasil saído da ditadura já trazia, como herança, um sistema político com problemas que remontam à Colônia. O compadrio, o mandonismo e o coronelismo são a expressão clássica do que hoje se conhece por nepotismo, privatização da máquina pública e falha separação entre o público e o privado. A política tem sido constituída sobre essas bases e, depois de cada momento autoritário e a cada período de redemocratização no país, seus problemas se desnudam, soluções paliativas são dadas e a cultura fica. Por que fica? Porque é a fonte de poderes – poderes privados que podem se sobrepor ao poder público legitimamente constituído.

O sistema político é mantido por interesses privados, e é de interesse de gregos e troianos que assim permaneça. Segundo levantamento feito pela Comissão Especial da Câmara que analisa a reforma política, cerca de 360 deputados, em 513, foram eleitos porque fizeram as mais caras campanhas eleitorais de seus Estados. Com dinheiro privado. Em sã consciência, com quem eles têm compromissos? Eles apenas tiveram acesso aos instrumentos midiáticos e de marketing político cada vez mais sofisticados porque foram financiados pelo poder econômico. É o interesse privado quem define se o dinheiro doado aos candidatos e partidos é lícito ou ilícito.

O dinheiro do caixa dois passou a fazer parte desse sistema. Não existe nenhum partido, hoje, que consiga se financiar privadamente – como define a legislação brasileira – sem se envolver com o dinheiro das empresas; e são remotíssimas as chances de um político financiado pelo poder privado escapar de um caixa dois, porque normalmente é o caixa dois das empresas que está disponível. Num sistema eleitoral onde o dinheiro privado, lícito e ilícito, é o principal financiador das eleições, ocorre a primeira captura do sistema político pelo poder privado. E isso não acaba mais.

Esse é o âmago de nosso sistema político. A democratização trouxe coisas fantásticas para a política brasileira, como o voto do analfabeto, a ampla liberdade de organização partidária e a garantia do voto. Mas falhou no aperfeiçoamento de um sistema que obrigatoriamente teria de ser revisto, no momento em que o poder do voto foi restabelecido pela Constituição de 1988.

Num sistema como esse, por qualquer lado que se mexa é possível desenrolar histórias da promiscuidade entre o poder público e o dinheiro privado. Por que isso não entra, pelo menos, em discussão? Acredito que a situação permaneça porque, ao fim e ao cabo, ela mantém o poder político sob o permanente poder de chantagem privado. De um lado, os financiadores de campanhas se apoderam de parcela de poder. De outro, um sistema imperfeito torna facilmente capturável o poder do voto também por aparelhos privados de ideologia, como a mídia. Como nenhuma notícia é inocente, a própria pauta leva a relações particulares entre políticos e o poder econômico, ou entre a máquina pública e o partido político. A guerra permanente entre um governo eleito que tem a oposição de uma mídia dominante é alimentada pelo sistema.

O apoderamento da imprensa é ainda maior. Se, de um lado, a pauta expressa seu imenso poder sobre a política brasileira, ela não cumpre o papel de apontar soluções para o problema. Não existe intenção de melhorá-lo, de atacar as verdadeiras causas da corrupção. Apesar da imensa caça às bruxas movida pela mídia contra os governos, em nenhum momento essa sucessão de escândalos, reais ou não, incluíram seriamente a opinião pública num debate sobre a razão pela qual um sistema inteiro é apropriado pelo poder privado, inclusive e principalmente porque não se questiona o direito de apropriação do poder público pelo poder privado. A mídia tradicional não fez um debate sério sobre financiamento de campanha; não dá a importância devida à lei do colarinho branco; colocou a CPMF, que poderia ser um importante instrumento contra o dinheiro ilícito que inclusive financia campanhas eleitorais, no rol da campanha contra uma pretensa carga insuportável de impostos que o brasileiro paga.

Pode fazer isso por superficialidade no trato das informações, por falta de entendimento das causas da corrupção – mas qualquer boa intenção que porventura exista é anulada pelo fato de que é este o sistema que permite à imprensa capturar, para ela, parte do poder de instituições democráticas devidamente constituídas para isso.


(*) Texto apresentado no Seminário Internacional sobre a Corrupção, dia 7 de novembro de 2011, em Porto Alegre.

Extraído de Carta Maior - Política
em 13/11/2011

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Saúde-OMS: Declaração do Rio firma compromisso internacional por equidade social e em saúde

Declaração do Rio firma compromisso internacional por equidade social e em saúde


Escrito por Rodrigo de Oliveira Andrade
Qui, 03 de Novembro de 2011

Fonte Correio da Cidadania



Entre os dias 19 e 21 de outubro [2011], a cidade do Rio de Janeiro sediou a Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde (CMDSS). O evento, promovido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), reuniu autoridades e delegados de mais de cem países, representantes de organismos internacionais, cerca de mil participantes presenciais e mais de dez mil pela internet. O objetivo foi promover a discussão em torno de políticas públicas voltadas à redução de tendências relacionadas às desigualdades em Saúde, a partir da ação sobre os determinantes sociais da saúde.

A Conferência contou ainda com a participação do ministro da Saúde Alexandre Padilha, que discursou durante a cerimônia de abertura do evento ao lado de Margaret Chan, Diretora-Geral da OMS, do então presidente da República em exercício, Michel Temer (PMDB), do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), e do diretor do Centro de Relações Internacionais (Cris) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Buss.

O encontro, pragmático do ponto de vista organizacional, desenvolveu-se a partir de sessões e mesas-redondas, cada qual sob um tema. O objetivo foi promover o intercâmbio de conhecimento e a troca de experiências entre os participantes quanto à institucionalização da participação da sociedade civil na definição de políticas; ao aumento da prestação de contas para avaliar os impactos das políticas na equidade; e à medição, ao monitoramento e à integração de dados às políticas públicas sobre os determinantes. De modo geral, os trabalhos desenvolvidos durante os três dias da Conferência caminharam no sentido de criar mecanismos capazes de incorporar a questão Saúde em todas as políticas, as transformando em política de Estado e não mais, e apenas, de governo.

Para a Conferência, também estava prevista a elaboração de um documento político que expressasse o compromisso dos Estados-Membros quanto à elaboração de medidas decisivas voltadas à redução das desigualdades em Saúde. Divulgado na cerimônia de encerramento da Conferência, no dia 21 de outubro, o documento, intitulado "Declaração Política do Rio sobre os Determinantes Sociais da Saúde", destaca as cinco principais áreas de ação direcionadas ao enfrentamento das iniqüidades em Saúde no Brasil e no mundo.

De acordo com a Declaração, tais ações alinham-se, majoritariamente: à adoção de processos de governança sobre os determinantes sociais da saúde mais adequados e eficazes; à promoção da participação da sociedade na formulação de políticas públicas voltadas à erradicação de fatores sociais responsáveis pelos determinantes estruturais, como distribuição de renda, preconceito racial ou de gênero etc.; à reorientação do setor Saúde com vistas à redução das desigualdades em Saúde; ao fortalecimento da governança global e da ação colaborativa; e ao monitoramento do progresso com vistas ao incremento da prestação de contas.

Ademais, no entender dos signatários da Declaração do Rio, as iniqüidades em Saúde constituem uma realidade inaceitável, tanto do ponto de vista político quanto econômico-social, injusta e, na grande maioria dos casos, evitável. Nesse sentido, o documento procura expressar o comprometimento dos Estados-Membros da OMS quanto ao desenvolvimento de políticas inclusivas que dêem conta das necessidades de toda a população, especialmente as de grupos mais vulneráveis que vivem em áreas de alto risco. Além do trabalho acerca de diferentes setores e níveis governamentais, por meio de estratégias de desenvolvimento nacional e do apoio a todos esses setores no desenvolvimento de ferramentas voltadas à erradicação progressiva dos determinantes sociais da saúde, em nível nacional e internacional.

Também no que diz respeito à promoção da participação popular na formulação de políticas públicas e sua aplicação prática, os signatários se comprometem em promover e aumentar a transparência na tomada de decisão, em fortalecer o papel das comunidades e reforçar a contribuição da sociedade civil no processo de formulação de políticas, a partir da adoção de medidas que permitam sua participação efetiva.

A "Declaração Política do Rio sobre os Determinantes Sociais da Saúde", agora, será encaminhada à Assembléia Mundial da Saúde, a ser realizada em 2012. A íntegra do documento encontra-se disponível aqui.


Rodriogo de Oliveira Andrade é jornalista