Dízimo e coação moral
Gustavo de Castro Afonso*
O termo dízimo é derivado do latim decima, que traz a ideia de décima parte, ou, como é geralmente conhecido, 10% (dez por cento). Em linhas gerais, cultiva-se a ideia de que o praticante desta ou daquela religião colabore com o respectivo templo religioso por meio da entrega da décima parte de seus rendimentos, ou, excepcionalmente, de qualquer quantia de que se disponha ou se possa ofertar.
Gustavo de Castro Afonso*
Jornal do Brasil - 08/11/2011
O termo dízimo é derivado do latim decima, que traz a ideia de décima parte, ou, como é geralmente conhecido, 10% (dez por cento). Em linhas gerais, cultiva-se a ideia de que o praticante desta ou daquela religião colabore com o respectivo templo religioso por meio da entrega da décima parte de seus rendimentos, ou, excepcionalmente, de qualquer quantia de que se disponha ou se possa ofertar.
Pelo próprio senso comum do termo e tratando-se, na maior
parte dos casos, de ato de disposição voluntária voltado à colaboração com o
templo religioso do qual faz parte a pessoa, não há dúvidas de que o dízimo
pode ser classificado como uma doação – a par de seu singular significado
histórico ou religioso.
O problema surge quando a vontade do doador, manifestada no
seu ato de disposição, não é levada a efeito de forma natural, ou seja, quando
sofre interferência de outrem, somente praticando o ato por justo receio de
sofrer as consequências que o terceiro lhe impôs, ainda que exclusivamente no
campo psicológico.
Em outras palavras, a pessoa coagida moralmente não exerce
efetivamente seu livre-arbítrio; embora, como dito, a ela se coloque a “opção”
entre realizar e não realizar determinado ato, a violência psicológica é tão
ampla e profunda que anula, por completo, a sensatez e a manifestação da
vontade.
A possibilidade de sua ocorrência na prestação do dízimo
existe quando, por exemplo, o doador, premido pelo receio de sofrer as sanções
religiosas peculiares de seu credo, pratica um ato que, não fosse a coação moral,
não praticaria. É bem verdade que a linha que separa a liberdade religiosa e a
de disposição do indivíduo é tênue; o que se percebe, em defesa dos donatários,
é a alegação de que a pessoa doa apenas porque quer, ou seja, ela não é
obrigada a fazê-lo.
Nesse contexto, se o fiel é exortado a colaborar com a sua
Igreja ou templo sem que haja qualquer interferência anormal no seu estado
psicológico, vale dizer, sem que lhe sejam feitas ameaças de futuras e sérias
dificuldades por conta da falta da doação deste ou daquele valor ou bem, o ato
será perfeitamente legítimo; todavia, se a abordagem incutir na pessoa o temor
de receber graves penas, futuras ou presentes, suplícios de qualquer ordem ou
mesmo a ocorrência de situação vexatória e humilhante – consideradas as
características pessoais de cada um, caso a caso – a doação estará
irremediavelmente viciada.
Logo, ainda que donatário e doador aleguem que o ato
decorreu de livre e espontânea vontade, pautado na liberdade religiosa, o
ordenamento jurídico não se coaduna com a ocorrência do vício de consentimento,
consubstanciado na coação moral.
Enfim, não se pode condenar, em absoluto, a figura do
dízimo; ao contrário, sua prática possibilita a garantia da liberdade religiosa
e de crença, prevista na Constituição federal, além de configurar uma doação
como qualquer outra; o que se reprime – e para isto a jurisdição deve bem
cumprir o seu papel – é a ilicitude da postura daquele que, exercendo alguma
influência no ânimo do doador, nele vem a incutir o temor grave e irresistível,
consubstanciado na reprimível coação moral, pois aí, nesse momento, o direito
deve entrar em cena, reequilibrando a situação jurídica a favor de quem, em
casos tais, foi flagrantemente prejudicado, em observância ao princípio da
dignidade da pessoa humana.
*Gustavo de Castro Afonso é advogado e sócio do escritório
Smaniotto, Cury, Castro & Barros Advogados.
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